
Se você já ouviu falar em moda com propósito, é bem provável que o nome de Gabi Abuleac tenha surgido no seu feed. Diretora criativa, CEO da Bem Phyna e da NordesPhyna, ela escolheu viver em Maceió. Longe do eixo São Paulo-Rio, mas perto de tudo o que realmente importa.
“Sempre fui apaixonada pelo Nordeste. Em Alagoas, me sinto mais criativa e vejo a chance de valorizar uma moda e cultura que ainda não recebem o destaque que merecem. Como empresária, tive que reaprender a confiar no processo. O tempo aqui é outro, e isso me ensinou muito”, compartilhou.
A Bem Phyna nasceu como uma maison de segunda mão no Pacaembu, em São Paulo. Mas a pandemia bagunçou os planos e exigiu uma guinada. Gabi escutou o momento, reprogramou as rotas e transformou seu projeto em uma potente plataforma de criação, troca e provocação.
“A Bem Phyna é uma extensão de mim. Não fazia mais sentido manter um modelo engessado. Ela precisava se renovar, e eu também. Hoje é um espaço de consciência criativa, de colaborações com valor real. Um lugar onde a estética tem propósito”, contou.
Ela já viveu a moda nos bastidores de agências, nas páginas das revistas, nos corredores de Paris. Conhece o sistema por dentro. E foi justamente por isso que decidiu abrir uma nova fresta: criar um caminho onde beleza e saúde mental pudessem caminhar juntas.
“Vivi situações de abuso e silenciamento, muitas vezes com a conivência de chefes mulheres. Estive em ambientes tóxicos que adoeciam. Foi preciso retornar às minhas raízes para ressignificar esse percurso, transformar a dor em aprendizado e o aprendizado em propósito”, relatou.
Na sua visão, moda precisa ser mais que visual: tem que ser visceral. A NordesPhyna, seu projeto mais recente, é um hub multicultural no coração do Jaraguá. Um gesto criativo que traduz o Nordeste com verdade, afeto e profundidade.
“Assim como fiz com a moda de segunda mão, estou construindo a imagem da Nordes com intencionalidade. Transformo desejo em discurso, estética em ferramenta. Uso o repertório de artistas locais para criar uma linguagem que valoriza sem folclorizar, que celebra sem simplificar”, disse.
E falar em coletivo, pra ela, não é discurso pronto. É prática. É presença. Depois de anos imersa no digital, Gabi entende que vínculos reais só nascem quando existe espaço físico, tempo e escuta. A NordesPhyna é isso: um lugar vivo, onde as pessoas se encontram, trocam e constroem juntas.
“A experiência é o que conecta. A NordesPhyna oferece encontros, produções, acesso a marcas autorais e novos talentos. Tudo ali foi pensado para acolher e provocar ao mesmo tempo. A gente acredita em comunidade antes de tudo”, completou.
Moda, para ela, só tem valor se for plural. Se incluir. Se acolher. Por isso, mais do que uma criadora de roupas, Gabi é uma articuladora de futuros. Abre espaço para quem sempre ficou à margem. Escutar é tão importante quanto propor.
“Faço questão de construir um ambiente verdadeiramente diverso, reunindo pessoas com trajetórias distintas e oferecendo mentoria a quem, historicamente, esteve à margem. Moda é representatividade, e isso precisa ser uma prática cotidiana, não apenas um discurso conveniente”, pontuou.
O cenário dessa revolução silenciosa é o Jaraguá. Um bairro histórico, simbólico, mas abandonado. E Gabi não ignora isso. Ao contrário: denuncia, cobra, se movimenta. Faz o que está ao seu alcance para reocupar os espaços que a cultura merece habitar.
“O abandono do bairro me chocou. Museus fechados, nenhuma galeria, um silêncio cultural que grita. Há meses busco apoio, mas a realidade é dura. Aqui, ou você faz acontecer sozinho, ou nada acontece. Ainda assim, sigo insistindo, porque desistir nunca foi opção”, declarou.
Mas nem só de luta se faz o caminho. Quando o corpo trava, ela viaja. Vai pra Ilha do Ferro, pra perto do mato, do barro, da arte. Descansa, silencia. A pausa virou parte indispensável do processo criativo.
“Tem dias que travo, sim. Aí vou pra algum lugar, me reconecto. A Ilha do Ferro, por exemplo, me traz uma inspiração absurda. Precisamos sair um pouco pra voltar acreditando mais. É meu jeito de recarregar e recomeçar”, compartilhou.
Mesmo otimista, ela é crítica. Enxerga com clareza a centralização do mercado e o olhar enviesado da elite. Ainda se consome o que é de fora com mais entusiasmo do que o que nasce aqui. E isso precisa mudar com urgência.
“Infelizmente, o nordestino com poder aquisitivo ainda prefere comprar em São Paulo ou fora do país. Precisamos inverter esse olhar. O Nordeste também tem moda, arte, identidade. E tudo com muito valor. E mais: tem urgência em ser reconhecido”, ressaltou.
A pergunta que Gabi joga ao mercado é quase um grito. Por que ainda temos vergonha do que é nosso? Por que a elite brasileira hesita em consumir o que tem identidade, calor e verdade? Valorização começa com orgulho.
“O exterior nos valoriza mais do que a gente mesmo. Queria que a elite brasileira olhasse com orgulho para sua própria cultura. Nosso mercado é rico, autêntico e merece ser aplaudido. E mais do que isso: merece ser vivido no dia a dia”, opinou.
No fim, ser “phyna” não tem a ver com etiqueta nem tendência. Tem a ver com ética. Com a disposição de cuidar, transformar e resistir. Gabi constrói esse legado com afeto, propósito e convicção.
“Me sinto phyna quando colaboro, quando luto por inclusão, quando recebo amor e dou amor. Ser phyna é ser inteira. É ser real. É ser minha melhor versão. Essa é a moda que acredito e construo. E essa é a moda que quero ver no mundo”, concluiu.